Pacifismo e violência
Publico o segundo capítulo selecionado do E-Book de Ángel J. Cappelletti.La Ideologia Anarquista, Cap.
11.
O anarquismo repudia
as guerras entre Estados, antes de tudo porque repudia o Estado. Toda guerra
deste tipo, em efeito, tem por fim afirmar e expandir poder de um Estado em detrimento de outro.
A partir de Bakunin a
guerra se interpreta como uma luta para impor os interesses de um setor da
classe burguesa sobre outro. Posto que o que importa é a defesa dos capitais e
das empresas vernáculas, pelo que lutam os capitalistas e os empresários,
argumenta a propaganda anarquista antibélica dirigida, sobretudo, aos
trabalhadores e camponeses. Neste ponto tal propaganda coincidiu durante muito
tempo com a dos socialistas marxistas.
Porém o anarquismo não
se detém em condenar o fato da guerra. Condena também a instituição mesma do
exército. Não é só antibelicista senão também antimilitarista. E isso não
somente porque vê nas Forças Armadas um dos mais sólidos suportes do Estado e
da classe dominante, senão também porque considera a qualquer Exército uma
instituição baseada na obediência absoluta e estruturada vertical e
hierarquicamente. Até poderia dizer-se que vê no Exército o arquétipo ou a
ideia pura do Estado, com seus dois elementos essenciais (coação‑hierarquia).[1]
Esta oposição à guerra
baseada no internacionalismo e no antiestatismo, parece comportar uma oposição
à violência.
No entanto, a maioria
dos anarquistas considera que a ação direta, sob a forma de ação violenta e
terrorista contra o Estado e contra a burguesia, é não só um meio lícito senão
também o único meio possível em muitas circunstâncias para alcançar os fins
propostos, a saber, a sociedade sem classes e sem Estado. Mais ainda, durante
muito tempo (e ainda hoje), prevalece na fantasia popular, no jornalismo e na
literatura, a imagem do anarquista como bombardeiro e «atirador de bombas».[2]
É preciso
esclarecer, portanto, o ponto.
Em primeiro
lugar, deve fazer-se notar que há e houve muitos anarquistas adversos ao usa da
violência. Nem Godwin nem Proudhon nunca a propiciaram: o primeiro como filho
do Iluminismo, confiava na educação e na persuasão racional; o segundo
considerava que uma nova organização da produção e da mudança bastaria para
acabar com as classes sociais e com o governo propriamente dito. Mais ainda,
alguns anarquistas, como Tolstoi, eram tão radicalmente pacifistas que faziam
consistir seu Cristianismo coincidente com sua visão anárquica, na não
resistência ao mal. Para eles, toda violência engendra violência e poder, e não
se pode combater o mal com o mal[3].
Porém ainda
entre aqueles que admitem a violência sob a forma do atentado e do terrorismo,
não há nenhum que a considere como algo absolutamente indispensável ou como a
forma única de luta social. Todos, sem exceção, veem nela um mal imposto aos
oprimidos e explorados pelos opressores e exploradores. O próprio Bakunin não
tem outro ponto de vista, e nisto se diferencia profundamente do puro adorador
da violência, isto é, do niilista ao estilo de Nechaev[4]. Kropotkin, Malatesta e quantos vieram depois deles a consideram como
um recurso extremo, como uma lamentável necessidade.
Em segundo
lugar, é preciso advertir que esta relativa aprovação da violência não supõe
nenhuma contradição com a negação da guerra entre Estados e com a condenação do
militarismo. Para quem parte do princípio de que o verdadeiro sujeito da
história e da moralidade é a pessoa humana e a sociedade livremente constituída
não pode haver nada mais imoral que a
privação da liberdade e da igualdade para as pessoas nem nada mais criminoso
que sua subordinação a instituições consideradas artificiais e, mais ainda,
essencialmente inimigas da liberdade e da igualdade, como são os governos, as
dinastias, os Estados. O homem pode e deve sacrificar-se pelos altos valores
que o fazem homem, morrer e ainda matar pela liberdade e pela justiça; não tem por
que morrer nem matar em defesa de quem é um natural negador de tais valores,
isto é, do Estado (e das classes dominantes). A revolução e até o terrorismo
podem parecer assim direitos e obrigações; a guerra, pelo contrário, não será
senão uma criminosa aberração.[5]
A questão que,
em última análise, ainda fica proposta é, no entanto, a seguinte: Quando se
exerce a violência, qualquer que seja esta e qualquer que sejam seus motivos e
seus fins não se está exercendo já o poder? Os anarquistas contestarão que eles
lutam contra o poder estabelecido e permanente que é o Estado, não contra
qualquer forma de poder e que o poder que a violência comporta é lícito quando
é pontual e funcional, ilícito quando se consolida e se converte em estado-Estado.
Porém caberia perguntar, todavia: A violência pontual e funcional não tende
sempre a converter-se em permanente e estatal?
Extraído do E-Book: Ángel J. Cappelletti.La Ideologia Anarquista, Cap. 11. Traduzido por
Adm. Jovino Moreira da Silva, M. Sc. em 28/12/2013.
Meu comentário para este capitulo :
O autor apresenta de maneira direta e explicita o seu pensamento sobre a
ideia de pacifismo e violência segundo a ideologia anarquista. Este
posicionamento como apresentado é clássico e já não corresponde a uma plena
posição ideológica anarquista, segundo a minha visão, embora seja interessante
porque traz a lume de forma clara a desmistificação do conceito de anarquia que
tem sido deturpado tanto pelo liberalismo individualista e acumulador de
riqueza quanto pelo social-comunismo centralizador de poder e de riqueza, para
os quais o movimento anarquista só tem posição destrutiva e improdutiva. Quem
promove a violência destrutiva são aqueles que procuram deturpar e combater o
anarquismo e procura induzir na massa des-educada a ideia de caos, de desordem,
de terror. Nada disso é verdadeiro e nas entrelinhas do texto o autor mostra
exatamente o contrário : que a ideologia anarquista promove a criação e o
desenvolvimento com liberdade e não por coação nem por repressão.
Pão, Paz e Liberdade, é o chamamento para uma vida plena e criativa e
não destrutiva. Enquanto o Estado em suas duas principais versões de poder
primam pela destruição da Natureza e pelo atiçamento de um consumismo negativo
desenfreado, vejo que o oposto é pregado pela ideologia anarquista. Como sigo
as ideias de Proudhon, para mim ser pacífico é ser educado, evoluído e
colaborador para o desenvolvimento humano e social.
[1]. Cf. 1. L. HOROWITZ, Fundamentos de
sociología política, México, 1977, pp. 204‑207; Varios, Tolstoismo y
anarquismo, «La Revista Blanca», Madrid, 1900.
[2]. Cf. A. GORELIK, El anarquismo y la
violencia, «La Revista Blanca», Madrid, 1935; F.
HARRIS, The Bomb, London, 1908.
[3].
Cf. F‑ J. SIMMONS, Tolstoy,
Boston, 1946; J. V. BONDURANT, Conquest of Violence: The Gandhian Philosophy
of Conflict, Princeton, 1958; BART DE LIGT, The Conquest of Violence,
London, 1937.
[4].
Cf. H. DEWAR, Assasins at large, London, 1951; R. HUNTER, Violenceand
the Labor Movement, New York, 1914; J. CONRAD, The Secret Agent,
London, 1907; D. AURICH, Bakunin y Nechaev, «Ruta», Caracas, núm. 25.