Estamos encerrando mais um ano deste segundo decênio do Século 21, um ano que foi cravado na memória dos brasileiros com o que se poderia chamar de "Ano da Mentira" em virtude dos discursos e promessas políticas que os candidatos apresentaram em suas campanhas. Mentiras que também se manifestaram nas declarações de indivíduos que estiveram e ainda estão por detrás dos casos de corrupção nas empresas estatais e nos órgãos públicos. Diante dos eventos que apreciei este ano de 2014, pensei em fazer a leitura ou re-leitura de alguns livros que estão em minha estante e ao pesquisar um texto para este último mês do ano que, pelo menos, atendesse a minha angústia diante de tanto descalabro político e econômico, achei que reler Hannah Arendt, neste momento, me tranquilizaria quanto ao entendimento de questões políticas. Escolhi para reler o livro CRISES DA REPÚBLICA no qual a autora faz uma crítica bem fundamentada sobre Os Documentos do Pentágono. Aproveito agora para copiar alguns parágrafos deste livro de Arendt aos quais estou dando este título: DA ARTE DE MENTIR COMO UM RECURSO PARA A DOMINAÇÃO. Vamos então ao texto de Arendt (1973, p15-17):
(...)
"A veracidade nunca esteve entre as virtudes políticas, e mentiras foram encaradas como instrumentos justificáveis nestes assuntos. Quem quer que reflita sobre estas questões ficará surpreso sobre a pouca atenção que tem sido dada ao seu significado na nossa tradição de pensamento politico e filosófico, por um lado, pela natureza da ação, e por outro, pela natureza de nossa capacidade de negar em pensamento e palavra qualquer que seja o caso. Esta capacidade atuante e agressiva é bem diferente de nossa passiva suscetibilidade em sermos vítimas de erros, ilusões, distorções de memória, e tudo que possa ser culpado de nossos mecanismos sensuais e mentais.
Uma das características da ação humana é a de sempre iniciar algo novo, o que não significa que possa sempre partir ab ovo, criar ex nihilo. Para dar lugar à ação, algo que já estava assentado deve ser removido ou destruído, e deste modo as coisas são mudadas. Tal mudança seria impossível se não pudéssemos nos remover mentalmente de onde estamos fisicamente colocados e imaginar que as coisas poderiam ser diferentes do que realmente são. Em outras palavras, a negação deliberada da verdade dos fatos - isto é, a capacidade de mentir - e a faculdade de mudar os fatos - a capacidade de agir - estão interligadas; devem suas existências à mesma fonte:imaginação.Não é de nenhum modo natural podermos dizer 'o sol está brilhando', quando na verdade está chovendo (a consequência de certas lesões cerebrais é a perda desta capacidade); a rigor isto indica que, apesar de estarmos bem equipados para o mundo, tanto sensual como mentalmente, não estamos adaptados ou encaixados a ele como uma de suas partes inalienáveis. Somos livres para reformar o mundo e começar algo novo sobre ele. Sem a liberdade mental de negar ou afirmar a existência, de deixar de dizer 'sim' ou 'não' - não apenas a afirmações ou proposições para expressar concordância ou discordância, mas para as coisas como se apresentam, além da concordância e discordância, aos nossos órgãos de percepção e conhecimento - nenhuma ação seria possível, e ação é exatamente a substância de que é feita a política.
Entretanto, quando falamos de mentiras e especialmente de mentiras entre homens atuantes, é bom lembrar que ela não se insinuou na política por algum acidente da pecaminosidade humana. A afronta moral, por esta única razão, não consegue faze-la desaparecer. A falsidade deliberada trata com fatos contingentes; ou seja, com coisas que não trazem em si nenhuma verdade inerente, nenhuma necessidade de ser como são. Os historiadores sabem como é vulnerável a textura de fatos na qual passamos nossa vida cotidiana; está sempre em perigo de ser perfurada por mentiras comuns ou ser estraçalhada pela mentira organizada por grupos, classes ou nações, ser negada e distorcida, muitas vezes encoberta cuidadosamente por camadas de falsidade ou ser simplesmente deixada cair no esquecimento. Os fatos necessitam de testemunho para serem lembrados e de testemunhas de confiança para se estabelecerem, para que possam encontrar um abrigo seguro no domínio dos assuntos humanos.
(...)
Em circunstâncias normais o mentiroso é derrotado pela realdade, para a qual não há substituto; por maior que seja a rede de falsidade que um experimentado mentiroso tenha a oferecer, ela nunca será suficientemente grande para cobrir toda a imensidão dos fatos, mesmo com a ajuda de um computador. O mentiroso que consegue enganar com quantas falsidades comuns quiser, verá que é impossível enganar com mentira de princípios. Esta é uma das lições que podiam ter sido aprendidas das experiências totalitárias e da assustadora confiança de seus dirigentes no poder da mentira - na capacidade de, por exemplo, reescreverem a história uma e outra vez para adaptar o passado à 'linha política' do momento presente, ou de eliminarem dados que não se ajustam às suas ideologias. Desta forma, numa economia socialista, eles negariam a existência de desemprego, tornando-se o desempregado simplesmente uma não-pessoa.
Os resultados de tais experiências, quando empreendidas pelos que possuem os meios de violência, são terríveis, mas o embuste permanente não está entre eles. Sempre chega o ponto em que a mentira se torna contraproducente. Este ponto é alcançado quando a platéia à qual as mentiras são dirigidas é forçada a menosprezar por completo a linha demarcatória entre a verdade e a falsidade, para poder sobreviver. Verdade ou falsidade - já não importa mais o que seja, se sua vida depende de você agir como se acreditasse; a verdade digna de confiança desaparece por completo da vida pública, e com ela o principal fator de estabilização nos cambiantes assuntos dos homens".
Embora longo este estrato do capítulo deste livro de Arendt merece ser apreciado e até criticado se for o caso, mas ele serve como um parâmetro para percebermos como em política a arte de mentir é uma verdade inconteste e serve de caminho para que os forjadores de mentiras consigam ludibriar de modo bem convincente as pessoas que ainda não se convenceram de alguma verdade dos fatos vivenciados no cotidiano. Em especial em uma sociedade que vive em função da oralidade mais do que envolvida com a leitura e a interpretação do mundo e das coisas. Vou continuar a re-leitura e selecionarei outros estratos para postar aqui. Espero que estejamos contribuindo para melhorar o esclarecimento e o discernimento das pessoas em relação às abordagens que são feitas diariamente nas mídias sobre os temas de nossa economia e nossa política.
sexta-feira, 12 de dezembro de 2014
quinta-feira, 16 de outubro de 2014
SOBRE CORRUPÇÃO E CORRUPTOS
A corrupção é um tema que está com frequência na ordem do dia
de jornais, revistas, noticiários, na mídia em geral e não posso deixar de
falar um pouco desta notável figura metafórica que muitos ouvem, todos ou quase
todos parecem conhecer a figura e, talvez, poucos saibam efetivamente como
lidar com ela ou mesmo interpreta-la devidamente quando se encontra diante
dela.
Pelo meu glossário acadêmico a palavra Corrupção derivada do verbo Corromper parece-me dizer que se trata
de provocar o rompimento, a fratura, a ruptura,
a deformação ou o desalinhamento de um processo, um sistema ou um organismo e
de um programa ou texto científico. Não vou consultar o Aurélio e deixo que
outros o façam porque gostaria de deixar claro nesta narrativa o que penso
sobre esta palavra e sobre a sua ocorrência real como em vários momentos
experimentei, vivi e sofri danos talvez hoje irreparáveis causados por algumas
dessas situações. Talvez por falta, na época, de uma melhor compreensão do que
se tratava.
É claro que não pretendo escrever um Tratado sobre a
Corrupção, nem relatar as amargas experiências vividas, mesmo porque não me
sinto à vontade agora para uma obra dessa natureza. Mas não me custa realizar
as leituras de alguns fatos e evidências e coloca-las no papel, talvez como uma
forma de descarregar o meu consciente dolorido pelo que vi, vivi, passei e
ainda vejo na raiz de uma nação como o Brasil.
Se considerar as palavras expressas acima como um conceito,
seria interessante dimensionar o seu sentido para facilitar o entendimento.
Assim, posso dizer hoje que existem quatro ou cinco tipos ou formas
dimensionais de corrupção as quais nomeio a seguir.
A primeira forma denomino de NanoCorrupção: trata-se de um
modelo de corrupção invisível e imperceptível a olho nu e que age de forma
cruel como o vírus ebola ou outro qualquer. Ela corrompe, contamina, desgasta
de forma lenta, mas contínua o organismo humano, social, ambiental. Elas podem,
como as demais, ser desenhadas segundo regras sociológicas psicológicas,
econômicas, antropológicas para atender aos diversos estilos de os agentes
agirem no ato de corromper.
Existe um sem número de exemplos cuja listagem encheria
várias páginas com e sem fotos e outros tipos de ilustração. Contudo registro
uns poucos exemplos e começo com a chamada cola didática, ou seja, aquela que o
aluno faz olhando por sobre o ombro do colega em uma prova para ver se consegue
copiar a resposta em um quesito. Aqui também considero uma ação nanocorrupta o
professor dispensar um aluno de entregar um trabalho escolar porque ele (o
aluno) tem se comportado muito bem e demonstra bom nível de inteligência em sua
disciplina. Na minha forma de pensar se tiver que dispensar um aluno de
entregar um trabalho dispensarei a todos e refaço a metodologia da atividade
acadêmica para contemplar esta atitude. Outro exemplo ocorre quando tentamos
furar uma fila, muitas vezes fingindo que estamos doentes, e dizemos não ser
possível esperar a nossa hora de ser atendido. Um tipo interessante é o da
falta de troco em centavos muito comum nos caixas de supermercado, mercearias,
farmácias, padarias, etc.
Um fato que presenciei muito a propósito deste tipo ocorreu
numa fila de um renomado Hipermercado em Salvador. Estávamos em pleno plano
Collor, quando todo mundo foi saqueado pelos donos do poder na época quando um
cliente a minha frente foi atendido. Depois que a garota do caixa contabilizou
os produtos e totalizou o valor a pagar o cliente entregou-lhe várias cédulas
em pagamento. A caixa deveria devolver-lhe um troco que incluía uma fração de 10
centavos. Como já era de hábito – e diga-se que um dos centros promotores da
NanoCorrupção são os velhos hábitos negativos que se enraízam nas pessoas – não
havia moedas de 10 centavos no caixa. Qual a solução da moça: “O Senhor aceita
uns caramelos para completar o troco?”. Ao que o cliente respondeu: “Não
aceito. Prefiro os 10 centavos”. Ela insistiu: “Não tenho moedas de 10 centavos
no caixa, por isso estou sugerindo que o senhor receba em bombons o seu troco”.
Enquanto a discussão entre cliente e caixa se desenrolava a fila crescia e o
pessoal já demonstrava irritação. Contra quem era a irritação? Pensem. Contra o
cliente que não aceitava o troco em forma de caramelos ou bombons.
Incrível. Eu estava bem próximo do cliente exigente quando um
cidadão saiu de sua posição bem atrás e se ofereceu para dar ao reclamante uma
moeda de 10 centavos para que ele deixasse a fila andar. Paro aqui e deixo a
apreciação do caso para o leitor. Este é um exemplo bem prático de corrupção e
corruptores dentro desta modalidade nano.
A segunda forma é a MicroCorrupção. Esta já é bem perceptível
e ocorrem também diariamente nas padarias, mercadinhos, açougues, etc. O
exemplo mais comum é o do quilo de 950 gramas. O dono do açougue adultera o registro
de peso da balança de tal forma que quando ele coloca o corte de carne para um
quilo em verdade está pesando 950 gramas. Veja que em um açougue mediano desossam
várias arroubas de boi por dia. Calcule no final do dia quantos quilos de carne
deixaram de ser entregues aos clientes devido a este artifício. Considere
apenas uma arroba equivalente a quinze quilos. Quanto os clientes pagaram sem
levar em carne desse açougue? O mesmo ocorre em uma bomba de gasolina, na
medição do consumo de água e de luz, nas corridas de taxi e tantos outros fatos
que já sabemos muito bem e somos até coniventes o que nos coloca na posição de
corruptores ou coparticipantes do sistema de microcorrupção.
A terceira forma é a MesoCorrupção. Esta ocorre nos processos
de negociação entre vendedor e comprador de pequenas quantidades de materiais
dentro de empresas comerciais e industriais. Geralmente as negociações de
compra e venda de produtos e materiais para os suprimentos das empresas se fazem
com a famosa “quebra” ou o “desconto” ou, ainda, o “chorinho” que o vendedor
oferece para que o comprador fique com a mercadoria. Sei de casos em que
compradores juniores acumularam benefícios superiores aos seus ganhos reais
apenas recebendo essas propinas dos fornecedores. O fornecedor, por sua vez,
repõe essas propinas através do “overprice” que coloca nas mercadorias. Muitas
vezes ambos, vendedor e comprador se associam para as duas partes ganharem com
o “overprice”. Coloquem a imaginação para funcionar e identifiquem outros
exemplos de mesocorrupção.
A quarta forma é a MacroCorrupção. Bem. Neste caso o Brasil é
campeão e as manchetes estão cheias de relatos. Não precisa ir muito longe buscar
na história para desvendarmos os grandes casos de corrupções que assolaram os
nossos governos. Vejamos apenas os recentes. São corrupções que acontecem nos
órgãos públicos, nas empresas públicas e estatais, nos governos federal,
estaduais e municipais e vão desde a compra de materiais para merenda escolar
até os chamados mensalões e petrolões. Permito-me não narrar estes tipos porque
são os mais amplamente visíveis e o leitor já está careca de saber ou ouvir
falar deles.
É possível que exista uma forma que se chama de MegaCorrupção,
a qual envolve as transações entre países ou entre empresas globalizadas sob a
inspiração dos governantes ou seus emissários para fazer negociações. Mas vamos
parar por aqui. Já exemplificamos o suficiente para as quatro formas que
enumeramos. Um fato deve ser salientado. Qualquer um de nós está sujeito a ser
levado na conversa e, às vezes de forma ingênua ou por simples desconhecimento
ou inocência, aceitamos esses brindes, presentes, bônus, descontos, etc. que
são oferecidos no mercado porque não olhamos tais ações como sendo maldades,
mas acreditamos que façam parte de uma cultura mercadológica própria do
capitalismo.
Encerro esta narrativa copiando uma mensagem muito pertinente
que recebi da Organização Brahma Kumaris:
Mudança
"Agora é hora de
mudança, tudo está chegando a um clímax. O fim da corrupção está perto. Temos
que criar um mundo de verdade e amor. Cada um tem seu papel. Se comparo ou
critico, perco tempo porque não posso mudar o papel dos outros. Então tenha pensamentos
positivos para si. Contemple o que é bom. Vá para um estado de meditação.
Mantenha as qualidades originais da alma (pureza, paz, amor, verdade,
felicidade) na mente. Pense nas qualidades do Pai e não se preocupe”.
Brahma Kumaris
Pão, Paz e Liberdade
terça-feira, 16 de setembro de 2014
O DIA EM QUE MARINA CHOROU
Quem disse que choro não dá voto? Dá, sim. Quem pensa que não
dá está enganado. No Brasil o choro é capaz de resolver muitas coisas. E quando
o choro é de uma mulher é melhor porque ele pode abrir o coração de outros e
outras. Ele, o choro, é capaz de promover uma reconciliação entre duas pessoas
e, até, entre contendores em uma disputa (por exemplo, uma disputa eleitoral).
O choro pode abrir portas que antes não davam acesso a
fatores e coisas de interesse pessoal. Pode abrir passagem em uma multidão de
pessoas confusas. Com o choro podemos fazer coisas até inimagináveis porque
consegue comover e promover ou despertar o calor de emoções reprimidas. O choro
pode ser também a manifestação ou indicação de um delírio, indicar a perda de
algo precioso (como no caso do choro pela perda de um ente querido). O choro é o "jeitinho brasileiro" de "levar vantagem em tudo", de conseguir um desconto ou redução de juros em um compra. E a mulher é sempre mais chorona que o homem quando se trata de negociar a compra de um produto.
O choro também costuma representar a alegria por um prêmio,
um elogio, um presente ou um ganho extra em alguma disputa. E, engraçado, no
Brasil o choro é um ritmo musical alegre e às vezes melancólico e um
complemento a mais na dose de uma bebida (por exemplo, um cliente pode pedir ao
garçom para não esquecer o chorinho ao colocar a dose de whisky no copo). No
caso de música o chorinho brasileiro é um ritmo meloso, dengoso e gostoso de se
ouvir e, quando solado com um cavaquinho ou bandolim bem afinado e bem executado dá até para
cochilar ou servir de fundo melodioso para se fazer uma meditação, uma reflexão
e, até... recordar coisas boas e... chorar de saudade. E o choro vem sempre depois da sagrada frase bem brasileira: "Eu era feliz e não sabia!".
O certo é que o choro é uma necessidade porque expressa algo
verdadeiro ou sincero como a saudade do tempo em que alguém militava em uma
facção política, por exemplo, e era aplaudida, reverenciada pela sua origem
humilda, endeusada como a ninfa da sustentabilidade ecológica (mesmo que não
sustentasse nada interessante para as pessoas e a natureza) e tinha, por tudo
isso, um protetor, um tutor, um mentor de renome nacional e, até,
internacional, que, de certa forma, exercia o papel de predecessor político
porque parecia lutar por causas justas e populares (ou impopulares para os
opositores).
A perda de apoio de um mentor político que pretere a
progressão de alguém a favor de outra militante de carreira dos tempos de
clandestinidade pode produzir um choro de ciúme ou um choro de raiva e descontentamento. É como se
sentir abandonado em uma estrada deserta sem ao menos ter em mão uma bússola
para servir de orientação. E qual a reação em casos assim? Aí a compensação do choro resulta em fuga. Fugir de
uma facção (partido) política para outra e outra e outra até achar uma que sirva de muleta. Quebrar regras partidárias ou
ideológicas até conseguir acomodação em um grupo que também já vinha amargando
frustração por não ver cumpridos os acordos políticos realizados entre as
partes no ou do poder. Nessas situações quase sempre pular de partido em
partido é a saída, senão a desistência total de seguir pela estrada (que seja
melhor) que surja e possa alberga-la.
O dia em que Marina chorou enquadra-se nestas metáforas. Pode
ter sido uma jogada ou um choro de pura emoção ou, mesmo, de frustração por se
sentir abandonada pelo seu guru. Um choro de desgosto por sentir-se duplamente
enganada, preterida ou abandonada no passado e rejeitada em suas pretensões
políticas. Pode ser um choro de fingimento para provocar o sentimentalismo
tendo como muleta o acidente aéreo que vitimou seu companheiro de chapa e,
assim, provocar a emoção de uma massa ingênua e crédula, que também chora por
qualquer motivo. Mesmo sem saber as evidências do motivo, porque aceita
qualquer benesse, ainda que não tenha relação com sentimentos verdadeiros ou para
estimular e comover a presença das pessoas, como ocorre com as carpideiras em
um velório que, com um véu negro sobre a cabeça, vertem lágrimas diante do
defunto. Muitas vezes é o quase defunto Brasil que ainda está agonizando; que
ainda acredita em lavadas mentiras como sendo verdades que podem promover a sua
recuperação.
No dia em que Marina chorou foi assim. Todo mundo chorou (ou
quase todos) junto e correram para o abraço e para apoia-la diante dos insultos
do apedeuta, dizendo: “Não se incomode, minha filha, vamos dar o troco para
eles no dia da eleição”. Esta pode ter sido (e acredito que no íntimo da
ingenuidade brasílica foi o que aconteceu) porque o brasileiro é assim: sempre
solidário (como as carpideiras) com a tristeza do outro ou com a alegria por
ter alcançado uma graça. Não importa. O que interessa é estar com a multidão
seja por conhecimento de causa ou não, seja por corrupção ou não. Dane-se o
avião comprado com lavagem de dinheiro. Ninguém está interessado nesse evento
que já passou e como a memória histórica é curtíssima ninguém vai mais se
emocionar por essas evidências. "Se foi assim digo que não sei e que não sabia
de nada" e fica por isso mesmo. A multidão silenciosa sorri e segue o cortejo.
Adeus Brasil. Até a próxima jornada quando tudo começará de novo, com risos,
lágrimas e novos corruptos e corruptores. Vamos seguindo no embalo do gostoso
chorinho bem brasileiro, que se dane a economia: “Não estou nem aí se houver
quebradeira, pois já ganhei prótese dental nova, laqueadura, telhado e blocos,
para recuperar a choupana sem falar que ainda tenho crédito na quitanda de seu
Joaquim com a bolsa quitanda. Para completar, estou na fila para receber um
rancho pelo programa minha casa, minha vida”. Quer mais?
Pão, Paz e Liberdade
domingo, 13 de julho de 2014
O FUTEBOL COMO UMA METÁFORA PARA A ADMINISTRAÇÃO DE NEGÓCIOS
Gostei de um texto publicado pelo
colega Rosberg Nery Porto,
por isso resolvi mantê-lo na minha linha do tempo no Facebook. Fiz este comentário
em especial porque o autor expõe ideias que tenho compartilhado aqui. Fiz uma
revisão do comentário para publicar neste Blog.
Começo com esta citação de Darcy Ribeiro sobre a visão
antropológica do processo civilizatório do Brasil:
“Poucos
países juntaram, como o Brasil, tijolos e cimentos tão díspares em seu processo
de constituição. Poucos também experimentaram vicissitudes que mostram de forma
tão clara os caminhos pelos quais uma nação pode constituir-se não para servir
a si mesma, mas para atender a interesses alheios. Efetivamente, o Brasil não
nasceu como etnia e se estruturou como nação em consequência d soma dos
desígnios de seus criadores. Surgiu, ao contrário, como uma espécie de
subproduto indesejado e surpreendente de um empreendimento colonial, cujo
propósito era produzir açúcar, ouro ou café e, sobretudo, gerar lucros
exportáveis”. (RIBEIRO, Darcy, In: Os Brasileiros: 1. Teoria do Brasil.
1983, p.19)
Realmente precisamos
fazer uma mudança total no Brasil. Não apenas no futebol, que é, ainda,
nossa melhor maneira de diversão, mas nas instituições como um todo. Mudança
política, econômica, educacional, cultural. Permanecer com esse status quo é passar um atestado público
de cretinice, imbecilidade, mediocridade e, porque não dizer, burrice. Todos
estamos cansados de um viver reativo, que anda para o passado e proclama, na
hora de ganhar o voto do povo, que o "O Brasil é o país do futuro". O
país do futuro não joga com ideias do passado, não fica o tempo todo venerando
reis de futebol e reis de política ideológica como se fosse tábua de salvação.
O Brasil está afundando e os
ratos espertos já pularam deste barco ao abrir suas polpudas contas nos
paraísos fiscais. Nós não temos tsunamis, terremotos, não fomos bombardeados em
nenhuma das guerras que ocorreram no século XX, não temos guerras civis
territoriais nem fundamentalistas, embora tenhamos uma guerra civil urbano-suburbana
desenhada na violência que domina nos grandes centros; mas não temos também
como enfrentar a tecnologia que está à frente em quase todas as áreas de
conhecimento, inclusive no esporte, como pode ser visto nas quebras de
recordes, nas jogadas e passes bem focalizados como se estivéssemos assistindo
a um jogo em vídeo game. Só conseguimos ficar entre as quatro melhores seleções
porque pegamos uma chave que foi salvadora, na qual também só havia seleções,
como a nossa, ainda acreditando que o modelo de futebol jogado há 10, 20 anos
ainda é de qualidade.
Como nos negócios – e o futebol é
um negócio bastante rentável como mostram os números do evento montado aqui
pelos espertos capitalistas da FIFA –, o produto que as seleções produzem e
vendem exigem administração estratégica de qualidade, cujos parâmetros hoje são
bem distintos daqueles utilizados nos anos 70, 80 e 90 do século passado. Hoje
estamos vivenciando uma Administração Estratégica da Qualidade Integral e isto
foi mostrado pelas equipes da Alemanha (7x1) e Holanda (3x0),com um total em
dois jogos de 10 chutes certeiros. E o que tem de comentaristas que ainda comparam
as seleções de ontem com a de hoje.
O mesmo é percebido nos modelos
de gestão empresarial quando nossos empresários com pouca visão empreendedorial
(veja meu livro ALÉM DE SER EMPRESÁRIO SEJA EMPREENDEDOR, www.livrariasaraiva.com.br/produto/7733939)
ficam comparando a qualidade de ontem com a produção de hoje e chorado o leite
derramado como se não tivessem sido avisados de que tudo muda pois nada é
estático; que o mundo anda de forma dinâmica e que o sucesso de ontem já não
representa um modelo fiel para as realizações do presente. O velho e obsoleto
hábito de lidar com commodities enferrujou a inteligência do produtor
brasileiro e se espalhou até nos entretenimentos. Procuraram transformar o
futebol em mais uma commodity exportável e lucrativa como vem sendo feito desde
o tempo pré-colonial e colonial, agora para atender à dominação neocolonial que
ainda olham este país como um mero produtor de bens e serviços para o uso e
abuso dos capitalistas inescrupulosos.
Circulam pelas redes um quadro
comparativo interessante o qual mostra o desempenho científico e tecnológico
dos quatro países finalistas dessa Copa 2014. Dos quatro países o Brasil é o
único que não tem nenhum Premio Nobel. Outro quadro compara itens de
desenvolvimento e desempenho socioeconômico e o Brasil continua perdendo disparado em
relação aos demais. Infelizmente, mesmo contrariando muitos seguidores de
ideologias obsoletas, que insistem em revivê-las como sistema de governança política nacional,
o Brasil ainda não conseguiu sair ou superar o seu momento colonial e se
desvincular do capital feudo-comercial que promoveu a Revolução
Mercantil-Artesanal no Ocidente. Continuamos refém de um monopólio feudalista (com um modelo ruralista modernizado) que se combinou com a burguesia capitalista e que contribui para que sistemas
políticos decrépitos espreitem o nosso modelo constitucional republicano.
Mudanças hoje exigem a
participação de pessoas proativas, com visão de futuro centrada em uma Economia
Orgânica (ou Ecoeconomia como querem alguns estudiosos e Decrescimento
Econômico como insistem outros com posição política ainda com resquício do
velho modelo socialista obsoleto). Neste sentido o Brasil do velho modelo de
futebol e da tradicional política agro-comercial não oferece nenhuma
contribuição que possa avançar para um novo sistema de entretenimento nem para
um sistema socioeconômico e sociocultural capaz de dar uma largada na direção
de um novo século. Sem foco proativo, sem fluxo dinâmico (que o taoismo chama
de zanshin) não conseguiremos
alcançar conclusões que garantam um desenvolvimento político, social e
econômico de valor significativo para um povo que é naturalmente alegre e
brincalhão e que não merece ser explorado pelas elites internacionais e seus
coniventes testas de ferro nacionais.
Pão, Paz e Liberdade
quarta-feira, 9 de julho de 2014
Sinopse do Livro
Além de Ser Empresário Seja Empreendedor procura evitar ou corrigir essa paralisia de paradigma. O leitor encontrará neste livro não uma receita para um “bolo empreendedorial”, nem um novo modismo, mas alguns caminhos ou trilhas e uma base metodológica para avançar e ser proativo em suas ações e atividades para manter-se focado e saber enfrentar os abalos organossísmicos (abalos que ocorrem internamente nas organizações e entre uma organização e outra), que tendem a provocar as perturbações e turbulências organizacionais e negociais que têm tornado a vida das empresas fragilizadas e vulneráveis dentro do ambiente glocal (global-local). Aprender a enfrentar mudanças é muito importante, hoje, para a permanência no mercado.
Precisamos, em nosso país, de Empreendedores Empresários e de Empresários Empreendedores; precisamos de eficiência e eficácia, de criatividade e inovação, de visionários de curto e longo prazo. Tudo isto só pode ser alcançado através do Desenvolvimento de Sistemas Humanos e da Educação. Esta é a essência deste livro: Além de Ser Empresário Seja Empreendedor.
Pacifismo e violência
Segue para a leitura e apreciação o segundo capítulo selecionado do E-Book
O anarquismo repudia
as guerras entre Estados, antes de tudo porque repudia o Estado. Toda guerra
deste tipo, em efeito, tem por fim afirmar e expandir poder de um Estado em detrimento de outro.
A partir de Bakunin a
guerra se interpreta como uma luta para impor os interesses de um setor da
classe burguesa sobre outro. Posto que o que importa é a defesa dos capitais e
das empresas vernáculas, pelo que lutam os capitalistas e os empresários,
argumenta a propaganda anarquista antibélica dirigida, sobretudo, aos
trabalhadores e camponeses. Neste ponto tal propaganda coincidiu durante muito
tempo com a dos socialistas marxistas.
Porém o anarquismo não
se detém em condenar o fato da guerra. Condena também a instituição mesma do
exército. Não é só antibelicista senão também antimilitarista. E isso não
somente porque vê nas Forças Armadas um dos mais sólidos suportes do Estado e
da classe dominante, senão também porque considera a qualquer Exército uma
instituição baseada na obediência absoluta e estruturada vertical e
hierarquicamente. Até poderia dizer-se que vê no Exército o arquétipo ou a
ideia pura do Estado, com seus dois elementos essenciais (coação‑hierarquia).[1]
Esta oposição à guerra
baseada no internacionalismo e no antiestatismo, parece comportar uma oposição
à violência.
No entanto, a maioria
dos anarquistas considera que a ação direta, sob a forma de ação violenta e
terrorista contra o Estado e contra a burguesia, é não só um meio lícito senão
também o único meio possível em muitas circunstâncias para alcançar os fins
propostos, a saber, a sociedade sem classes e sem Estado. Mais ainda, durante
muito tempo (e ainda hoje), prevalece na fantasia popular, no jornalismo e na
literatura, a imagem do anarquista como bombardeiro e «atirador de bombas».[2]
É preciso
esclarecer, portanto, o ponto.
Em primeiro
lugar, deve fazer-se notar que há e houve muitos anarquistas adversos ao usa da
violência. Nem Godwin nem Proudhon nunca a propiciaram: o primeiro como filho
do Iluminismo, confiava na educação e na persuasão racional; o segundo
considerava que uma nova organização da produção e da mudança bastaria para
acabar com as classes sociais e com o governo propriamente dito. Mais ainda,
alguns anarquistas, como Tolstoi, eram tão radicalmente pacifistas que faziam
consistir seu Cristianismo coincidente com sua visão anárquica, na não
resistência ao mal. Para eles, toda violência engendra violência e poder, e não
se pode combater o mal com o mal[3].
Porém ainda
entre aqueles que admitem a violência sob a forma do atentado e do terrorismo,
não há nenhum que a considere como algo absolutamente indispensável ou como a
forma única de luta social. Todos, sem exceção, veem nela um mal imposto aos
oprimidos e explorados pelos opressores e exploradores. O próprio Bakunin não
tem outro ponto de vista, e nisto se diferencia profundamente do puro adorador
da violência, isto é, do niilista ao estilo de Nechaev[4]. Kropotkin, Malatesta e quantos vieram depois deles a consideram como
um recurso extremo, como uma lamentável necessidade.
Em segundo
lugar, é preciso advertir que esta relativa aprovação da violência não supõe
nenhuma contradição com a negação da guerra entre Estados e com a condenação do
militarismo. Para quem parte do princípio de que o verdadeiro sujeito da
história e da moralidade é a pessoa humana e a sociedade livremente constituída
não pode haver nada mais imoral que a
privação da liberdade e da igualdade para as pessoas nem nada mais criminoso
que sua subordinação a instituições consideradas artificiais e, mais ainda,
essencialmente inimigas da liberdade e da igualdade, como são os governos, as
dinastias, os Estados. O homem pode e deve sacrificar-se pelos altos valores
que o fazem homem, morrer e ainda matar pela liberdade e pela justiça; não tem por
que morrer nem matar em defesa de quem é um natural negador de tais valores,
isto é, do Estado (e das classes dominantes). A revolução e até o terrorismo
podem parecer assim direitos e obrigações; a guerra, pelo contrário, não será
senão uma criminosa aberração.[5]
A questão que,
em última análise, ainda fica proposta é, no entanto, a seguinte: Quando se
exerce a violência, qualquer que seja esta e qualquer que sejam seus motivos e
seus fins não se está exercendo já o poder? Os anarquistas contestarão que eles
lutam contra o poder estabelecido e permanente que é o Estado, não contra
qualquer forma de poder e que o poder que a violência comporta é lícito quando
é pontual e funcional, ilícito quando se consolida e se converte em estado-Estado.
Porém caberia perguntar, todavia: A violência pontual e funcional não tende
sempre a converter-se em permanente e estatal?
Extraído do E-Book: Ángel J. Cappelletti.La Ideologia Anarquista, Cap. 11. Traduzido por
Adm. Jovino Moreira da Silva, M. Sc. em 28/12/2013.
Meu comentário para este capitulo :
O autor apresenta de maneira direta e explicita o seu pensamento sobre a
idéia de pacifismo e violência segundo a ideologia anarquista. Este
posicionamento como apresentado é clássico e já não corresponde a uma plena
posição ideológica anarquista, segundo a minha visão, embora seja interessante
porque traz a lume de forma clara a desmistificação do conceito de anarquia que
tem sido deturpado tanto pelo liberalismo individualista e acumulador de
riqueza quanto pelo social-comunismo centralizador de poder e de riqueza, para
os quais o movimento anarquista só tem posição destrutiva e improdutiva. Quem
promove a violência destrutiva são aqueles que procuram deturpar e combater o
anarquismo e procura induzir na massa des-educada a idéia de caos, de desordem,
de terror. Nada disso é verdadeiro e nas entrelinhas do texto o autor mostra
exatamente o contrário : que a ideologia anarquista promove a criação e o
desenvolvimento com liberdade e não por coação nem por repressão.
Pão, Paz e Liberdade, são os chamamentos para uma vida plena e criativa e
não destrutiva. Enquanto o Estado em suas duas principais versões de poder
primam pela destruição da Natureza e pelo atiçamento de um consumismo negativo
desenfreado, vejo que o oposto é pregado pela ideologia anarquista. Como sigo
as ideias de Proudhon, para mim ser pacífico é ser educado, evoluido e
colaborador para o desenvolvimento humano e social.
[1]. Cf. 1. L. HOROWITZ, Fundamentos de
sociología política, México, 1977, pp. 204‑207; Varios, Tolstoismo y
anarquismo, «La Revista Blanca», Madrid, 1900.
[2]. Cf. A. GORELIK, El anarquismo y la
violencia, «La Revista Blanca», Madrid, 1935; F.
HARRIS, The Bomb, London, 1908.
[3].
Cf. F‑ J. SIMMONS, Tolstoy,
Boston, 1946; J. V. BONDURANT, Conquest of Violence: The Gandhian Philosophy
of Conflict, Princeton, 1958; BART DE LIGT, The Conquest of Violence,
London, 1937.
[4].
Cf. H. DEWAR, Assasins at large, London, 1951; R. HUNTER, Violenceand
the Labor Movement, New York, 1914; J. CONRAD, The Secret Agent,
London, 1907; D. AURICH, Bakunin y Nechaev, «Ruta», Caracas, núm. 25.
sábado, 4 de janeiro de 2014
A educação
Os primeiros pensadores
anarquistas, como Godwin, consideram que a educação é o fator principal da
transformação social e o meio mais importante para chegar a uma sociedade sem
Estado. Trata-se de uma herança da filosofia do Iluminismo (e, em particular,
do pensamento de Helvetius) que compartilham com os socialistas utópicos (Fourier,
Owen, etc.).
Também para Bakunin a
educação reveste enorme importância, porém, fixado já, como Marx, no contexto
da luta de classes e da revolução social, não pode considera-la como
instrumento da mudança social.
Bakunin assinala a
inutilidade e a incongruência do esforço de positivistas e utilitaristas (e, em
geral, da burguesia progressista) por fundar escolas e promover a educação
popular: antes de fornecer instrução é preciso assegurar o pão, a roupa e a
habitação, e a maioria das classes populares não os têm assegurados. Eis aqui,
pois, que para qualquer espírito lógico e bem informado da realidade primeiro
será necessário promover a mudança social (que para ser efetivo deverá ser
radical e não poderá conseguir-se senão com a revolução) e depois poderá
pensar-se em instruir e educar o povo.[1]
Esta ordem não
é, no entanto, absoluta, desde que para quase todos os anarquistas (e mesmo
para o próprio Bakunin) a revolução não pode ocorrer sem uma certa consciência
revolucionária, que implica um mínimo de instrução e educação. Eis aqui porque
Bakunin insiste ao mesmo tempo na necessidade de educar as massas e de
transformar as igrejas em escolas da emancipação humana; eis aqui porque uma
das exigências prioritárias da Primeira Internacional foi a educação integral e
igualitária; eis aqui porque a Comuna em meio de sua cruenta luta, não deixou
de fundar escolas laicas e humanitárias para a infância parisiense; eis aqui,
enfim, porque as organizações operárias de tendência anarquista ( como a CNT na
Espanha) não descuidaram nem em seus momentos mais difíceis a criação de
escolas elementares para a educação dos trabalhadores e de seus filhos.
A pedagogia
libertária parte da ideia de que a criança (o educando) não é “propriedade” de
ninguém, nem de seus pais, nem do Estado, nem da Igreja e que pertence, como
disse Bakunin só a sua liberdade futura ou, como preferem dizer outros, a sua
liberdade atual.
A base de toda
pedagogia anarquista é, obviamente, a
liberdade. Toda coação e toda imposição não só constituem em si mesmas
violações aos direitos do aluno, senão que também deformam sua alma para o
futuro e contribuem para criar máquinas ou escravos em lugar de homens livres.
O tem da escola ácrata é, por conseguinte, “a liberdade do homem pela liberdade
da criança”. E ainda quando na interpretação deste lema há diferentes critérios
(desde o de Bakunin, que considera necessário certo uso da autoridade para
formar na criança um caráter firme e disciplinado, até o de Tolstoi e outros
pedagogos mais recentes que excluem absolutamente toda coação e toda
imposição), em geral os anarquistas estão de acordo em rechaçar todos os
modelos pedagógicos tradicionais, precisamente por suas características
autoritárias e coativas.[2]
A uma pedagogia
deste tipo se acercaram notavelmente desde fins do século XIX até nossos dias
alguns pedagogos alheios, em princípio, ao anarquismo como ideologia e como
filosofia político-social. Tais foram, por exemplo, os que fundaram em Hamburgo
e outras cidades alemãs as Gemeinschaftschule
(comunidades escolares), a Kinderheim
Baumbgarten em Viena, a Kearsley School, etc.; figuras como as de Ellen Key
Berthold Otto, M.A.S. Neill, etc.[3]
O principal
problema que a pedagogia declaradamente anarquista deve enfrentar, é,
precisamente, o dos conteúdos anarquista do ensino.
A maioria dos
pedagogos anarquistas optou por substituir a cosmovisão cristã ou liberal que
informava todo o ensino na escola tradicional por uma cosmovisão “científica”,
que pelo geral é mais bem “cientificista” e materialista. O ensino da história
e das ciências sociais compreende uma crítica aberta ao Estado, à Igreja, à
Família; se baseia na ideia da luta de classes ou, mais propriamente, da luta
dos explorados e oprimidos em geral contra as classes e grupos dominantes; não
evita os ataques diretos contra o capitalismo, a burguesia, o clero, o
exército, etc. Esta solução, que é a da Escola Moderna de F. Ferrer, aproxima a
pedagogia libertária da marxista. Trata-se de proporcionar uma educação
classista, socialista, definitivamente ideológica.
Outros
pedagogos anarquistas, em troca, como Mella na Espanha, consideram que uma
escola verdadeiramente libertária deve ser neutra frente a qualquer filosofia
ou concepção do mundo, nem materialista nem espiritualista, nem ateia nem teísta,
etc., e que sua missão essencial será formar personalidades com grande
independência e espírito crítico, capazes de decidir por si mesmas respeito a
estes e todos os demais problemas teóricos e práticos que devam enfrentar em
sua vida adulta. Desde este ponto de vista, se aproximam mais de instituições
tais como Summerhill.[4]
Em qualquer
caso, toda pedagogia anarquista considera indispensável a integração do
trabalho intelectual com o trabalho manual; insiste no valor da experimentação
pessoal e direta; considera jogo (ainda
que não o esporte puramente competitivo) coo excelente meio educativo, tende a
suprimir os exames, as qualificações, as concorrências acadêmicas, os prêmios e
os castigos ao mesmo tempo em que fomenta a solidariedade, a curiosidade
desinteressada, a ânsia de saber, a liberdade para pensar, escrever e
construir, etc.
Extraído do E-Book: Ángel J. Cappelletti.La Ideologia Anarquista, Cap. 13. Traduzido por
Adm. Jovino Moreira da Silva, M. Sc. em 29/12/2013
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