L.I.D.E.R. Ideias e Princípios

L.I.D.E.R. Ideias e Princípios
Imagem da Capa do Livro

quarta-feira, 16 de dezembro de 2015

Sobre a Deficiência Educacional

Em continuidade das discussões que venho apresentando neste espaço e no Facebook vou copiar um artigo de Stephen Kanitz (escrito em 2000) que mostra um dos vetores que contribui para a deficiência de nosso processo educacional. Compartilho para que os colegas e alunos possam compreender o que nós tentamos e as vezes não conseguimos realizar em uma sala de aula. Vamos ao artigo:

Stephen Kanitz

Revolucione a sala de aula

"Na vida você terá de ser aprovado pelos
colegas
 e futuros companheiros de trabalho,
não pelos seus
 antigos professores" 

Ilustração Ale Setti

Qual a profissão mais importante para o futuro de uma nação? O engenheiro, o advogado, o administrador? Vou decepcionar, infelizmente, os educadores, que seriam seguramente a profissão mais votada pela maior parte dos leitores. Na minha opinião, a profissão mais importante para definir uma nação é o arquiteto. Mais especificamente o arquiteto de salas de aula.

Na minha vida de estudante freqüentei vários tipos de sala de aula. A grande maioria seguia o padrão usual de um monte de cadeiras voltadas para um quadro-negro e uma mesa de professor bem imponente, em cima de um tablado. As aulas eram centradas no professor, o "locus" arquitetônico da sala, e nunca no aluno. Raramente abrimos a boca para emitir nossa opinião, e a maior parte dos alunos ouve o resumo de algum livro, sem um décimo da emoção e dos argumentos do autor original, obviamente com inúmeras honrosas exceções.
Nossos alunos, na maioria, estão desmotivados, cheios das aulas. É só lhes perguntar, de vez em quando. Alguns professores adoram ser o centro das atenções, mas muitos estão infelizes com sua posição de ator obrigado a entreter por cinqüenta minutos um bando de desatentos.
Não é por coincidência que somos uma nação facilmente controlada por políticos mentirosos e intelectuais espertos. Nossos arquitetos valorizam a autoridade, não o indivíduo. Nossas salas de aula geram alunos intelectualmente passivos, e não líderes; puxa-sacos, e não colaboradores. Elas incentivam a ouvir e obedecer, a decorar, e jamais a ser criativo.
A primeira vez que percebi isso foi quando estudei administração de empresas no exterior. A sala de aula, para minha surpresa, era construída como anfiteatro, onde os alunos ficavam num plano acima do professor, não abaixo. Eram construídas em forma de ferradura ou semicírculo, de tal sorte que cada aluno conseguia olhar para os demais. O objetivo não era a transmissão de conhecimento por parte do professor, esta é a função dos livros, não das aulas.
As aulas eram para exercitar nossa capacidade de raciocínio, de convencer nossos colegas, de forma clara e concisa, sem "encher lingüiça", indo direto ao ponto. Aprendíamos a ser objetivos, a mostrar liderança, a resolver conflitos de opinião, a chegar a um comum acordo e obter ação construtiva. Tínhamos de convencer os outros da viabilidade de nossas soluções para os problemas administrativos apresentados no dia anterior. No Brasil só se fica na teoria.
No Brasil, nem sequer olhamos no rosto de nossos colegas, e quando alguém vira o pescoço para o lado é chamado à atenção. O importante no Brasil é anotar as pérolas de sabedoria.
Talvez seja por isso que tão poucos brasileiros escrevem e expõem suas idéias. Todas as nossas reclamações são dirigidas ao governo – leia-se professor – e nunca olhamos para o lado para trocar idéias e, quem sabe, resolver os problemas sozinhos.
Se você ainda é um aluno, faça uma pequena revolução na próxima aula. Coloque as cadeiras em semicírculo. Identifique um problema de sua comunidade, da favela ao lado, da própria faculdade ou escola, e tente encontrar uma solução. Comece a treinar sua habilidade de criar consenso e liderança. Se o professor quiser colaborar, melhor ainda. Lembre-se de que na vida você terá de ser aprovado pelos seus colegas e futuros companheiros de trabalho, não pelos seus antigos professores.

Stephen Kanitz é administrador (www.kanitz.com.br)
 Leiam, interpretem e façam suas reflexões sobre as questões que podem ser construídas a partir deste texto.
Administração Sem Gestão. Pão, Paz e Liberdade (ainda que tardia)

sábado, 19 de setembro de 2015

AS CAPACIDADES ESSENCIAIS COMO SUPORTE PARA AS HABILIDADES ESSENCIAIS


“Aprender é remar contra a corrente; é só parar, e anda-se para trás” (Adágio Chinês)

Tenho falado e discutido sobre a importância e o significado das Habilidades Essenciais (HA) para o desenvolvimento de Sistemas Humanos Integrais (SHI) e mostrado como é importante dominar e sempre atualizar essas habilidades para que tenhamos capacidade de tomar decisões. Enquanto discutia a importância e o valor das seis habilidades principais para um Administrador de sucesso, percebi que elas se tornavam eficientes e práticas devido ao suporte ou apoio das Capacidades Essenciais (CA) que estão nas suas bases e no entorno, as quais consolidam as Competências Essenciais (CE). Repito apenas para lembrar quais são as seis habilidades essenciais: a) Humanas e Sociais; b) Conceituais e Interpretativas; c) Técnicas e Experienciais [que formam as Habilidades Pragmáticas, Molares]; d) Heurísticas e Intuitivas; e) Praxiológicas e Decisionais; f) Emocionais e Espirituais [que formas as Habilidades Inovadoras, Moleculares]. Tem-se, assim, que as habilidades devem resultar em capacidades, sem o que as estratégias criadas durante os planejamentos podem não alcançar essas competências. Tem-se, então, que o foco central para onde convergem as Habilidades e as Aptidões é a Capacidade que o Administrador irá dominar para aplicar no Processo Decisório. E o que significam as Capacidades Essenciais?

Primeiro vamos entender um pouco o que significa Capacidade e como a vemos dentro de um ambiente organizacional, com Administração Integral, em apoio à tomada de decisões. Existem vários significados no dicionário para esta palavra e alguns deles estão diretamente relacionados com a forma como conceituo Habilidade e Aptidão. Contudo, quando a capacidade expressa habilidade e/ou aptidão a palavra, em sentido isolado, não consegue dar maior força ou sentido ao que trato como essencial e não-essencial, o que requer uma ampliação aplicativa para o seu significado. Assim, para conseguirmos perceber melhor como a capacidade contribui para aumentar as ações das Habilidades Essenciais, vamos ajusta-la às preposições que lhe seguem como forma de expandi-la. Como assim?

Vamos, então, à nossa segunda proposição que trata da palavra capacidade preposicionada, ou seja, acrescida de uma preposição, para dar o sentido que necessitamos quando formos nos referir a habilidades e aptidões. Deste modo poderemos dizer que existem pelo menos dois caminhos significativos preposicionados que nos orientam para compreender o papel da capacidade no desenvolvimento dos atributos que ajudam no processo de tomada de decisão. Escolhi duas preposições que considero fortes quando associadas a um substantivo: “de” e “para”. Em seguida identifiquei na minha apreciação estes dois caminhos: a) Capacidade de... ; e b) Capacidade para..., os quais passo a discutir.

Apreciem como o uso das preposições “de” e “para” dão sentidos (fortes) distintos à aplicação prática das capacidades; isto possibilita identificar quando uma capacidade é essencial, e complementa o domínio cognitivo na direção da prática no ambiente organizacional, em especial quando os colaboradores e líderes/diretivos são preparados com o Sistema L.I.D.E.R. (Ler, Interpretar, Desenvolver, Estudar, Realimentar) e dominam o Ciclo APOR (Atenção, Percepção, Observação, Reflexão). Estas duas ferramentas (L.I.D.E.R. e APOR) contribuem para o aperfeiçoamento das Habilidades Essenciais e, por reflexão, das Capacidades Essenciais dos Sistemas Humanos Integrais que atuam dentro de uma empresa ou instituição; estas são também importantes para a vida pessoal, sobretudo quando a pessoa possui um foco de atualização segundo os princípios de Individualismo Cooperativo.

O caminho promovido pela condição Capacidade De contribui para o Sentir e o Pensar antes de o Praticar e o Fazer, tanto para as Habilidades como para as Aptidões, embora seja mais requerido para as primeiras, visto que sem o Pensar as Habilidades Essenciais podem não ser produtivas e nem contribuir para a eficácia das Aptidões nas organizações. Já a Capacidade Para contribui para o Fazer depois de o Pensar e tende a tornar as Aptidões mais consistentes, práticas e eficientes. Quando adicionamos um verbo a estas expressões a importância para as Habilidades Essenciais se destacam e isto nos conduz a um conjunto de Capacidades Essenciais para realizar as Ações e Atividades de Administração de uma unidade produtiva, de uma organização, de uma sociedade, de um país.
Quando dizemos Ser Capaz De ou Ser Capaz Para estamos falando de duas ações distintas mas congruentes. Quando uma pessoa é capaz de, ela está estimulando os domínios de suas habilidades, a fim de proporcionar energia suficiente quando se está diante de um problema, ou se está identificando o fenômeno que gerou o problema dentro de uma empresa ou mesmo na vida real. Neste momento o Administrador dedica todo o seu APOR para construir as ideias e elaborar as estratégias que resultem em soluções; essas estratégias deverão ser direcionadas para a próxima condição operacional ou de gestão, geralmente a cargo de gerentes, supervisores, coordenadores cooperativos, colaboradores, os quais devem estar preparados em suas condições relativas de ser capaz para por em atividade as ações propostas no nível anterior (ser capaz de).

Assim, podemos salientar que a condição Capacidade De, envolve os valores que pertencem a um indivíduo, algo que lhe é próprio, subjetivo e intrínseco a seu ego, sua inteligência, sua esfera cognitiva; em algumas ocasiões tratamos esta condição como conhecimento tácito, intuição, emoção, razão, espírito, cooperatividade, criatividade, inventividade e competitividade e resumimos na Arte de Pensar. Esta Arte o indivíduo aprende ao longo de sua vida. Vale lembrar aqui as palavras de Sócrates no momento em o efeito da cicuta já chegava ao nível do seu tórax: “...Eu sei que nada sei” mostrando que até no momento da morte podemos estar aprendendo a pensar ou ainda não conseguimos nos completar. Ninguém nasce sabendo pensar e quando deixamos ou retardamos o processo de aprendizagem do Pensar nos tornamos um ser que não consegue caminhar no sentido de sua completude. Todo conhecimento que acumulamos no hemisfério esquerdo do cérebro foi construído depois do nascimento e ao longo do crescimento. Essa acumulação quando se associa à maturidade torna a pessoa mais preparada para a vida em harmonia com os demais seres da natureza. Quando ocorrem falhas de maturidade esse hiato entre o que pensamos e o que fazemos pode se tornar uma arma perigosa para a pessoa e para os demais seres da natureza. Chamo essas falhas de “Desvios Ontogenético”.

A falta de aprendizagem da Arte de Pensar representa o desvio das Capacidades Essenciais do Bem, e orientadas a um processo decisório eficiente; esse desvio conduz ao sentido de Capacidades Não-Essenciais que ocupam e consomem muito tempo tornando-o improdutivo e que, na maioria dos casos, resultam em conflitos, violências, vícios e uso de mecanismos instintivos semelhantes aos animais. Ou seja, quando fazemos usos de Capacidades Não-Essenciais (ou Capacidade do Mau)  priorizamos as experiências instintivas que estão acumuladas em nosso cérebro reptilíneo desde nossa origem e evolução (filogênese) do nível animal para o do hominídeo. Ao darmos ênfase às Capacidades Não-Essenciais estamos alimentando hábitos nocivos a nossa própria existência no ambiente natural e ao próprio ambiente, com o que comprometemos nossa evolução e continuamos inconclusos.

O que buscamos com o Desenvolvimento de Sistemas Humanos (DSH) nos Projetos SHENG.COM é priorizar as Capacidades Essenciais, por isso enfatizamos que uma das condições para tal desenvolvimento (ontogênese) é a aprendizagem das cinco artes ou domínios que compõem o Sistema L.I.D.E.R., o qual atua como um sistema motriz, para começarmos a aumentar, gradativamente, essas capacidades.

Outro ponto que evidenciamos em nosso estudo refere-se à distinção que fazemos entre Ação e Atividade. Observamos que as Capacidades Essenciais estão mais relacionadas com a Ação que com as Atividades, enquanto as Não-Essenciais tendem a se utilizar mais das Atividades que das Ações. Um roubo, um crime, uma atitude corrupta, um vício, são indicativos de baixo conteúdo de Capacidade Essencial no cérebro de um indivíduo. Uma pergunta que costumo fazer, quando estou no processo de conversação estratégica com os colaboradores e executivos de uma empresa, é: “Você é fumante?” Se o colaborador responder que sim, então faço uma segunda pergunta que considero fundamental: “Você considera a atividade de  fumar cigarros (ou outro produto) essencial para a sua qualidade de vida?” A resposta geralmente é um tanto atrapalhada porque a pessoa considera geralmente o vício de fumar algo bom, agradável, prazeroso e divertido, e estas supostas atividades de caráter lúdico negativo e improdutivo eles acham interessantes quando, pela evidência demonstrada cientificamente, a atividade de fumar é prejudicial à saúde do Homem. Este é apenas um exemplo e podemos perceber muitos outros em que as pessoas nem percebem que estão agindo através de uma capacidade não-essencial que pode lhe ser prejudicial e ao seu trabalho e, em muitos casos, colocar em risco a saúde e a vida. O mesmo podemos dizer sobre decisões tomadas sem o devido APOR que podem levar um processo produtivo a perdas materiais graves e, até, humanas. Alguns desastres que foram registrados pela história recente mostram como tomar decisões, sem levar em consideração as Capacidades Essenciais, resultaram em prejuízos materiais a empresas e ceifaram vidas de colaboradores, população e biodiversidade.

Casos como a explosão da fábrica de gás isocianato de potássio, da Union Carbide, em Bopal, na Índia, do mega petroleiro Valdez da Exxon que explodiu no mar do Alaska, de Chernobil, Apolo 11, até a queda de aviões e de prédios construídos com materiais sem qualidade para reduzir custos, são clássicos. Contudo, os microacidentes que resultam do déficit de APOR de chefes, coordenadores, supervisores e funcionários, quando somados, podem resultar em grande prejuízo para empresas, instituições e para o país. O Sistema L.I.D.E.R. pode contribuir para a Administração de Riscos que é hoje uma área importante para os profissionais de Administração dentro das empresas de qualquer tamanho, mesmo aquelas empresas intensivas em conhecimento e tecnologia.

Vejamos agora em que resulta para os sistemas humanos e para a empresa a Capacidade Para. Enquanto o líder estrategista se ocupa em formular ou traçar diretrizes estratégicas para ação utilizando-se de sua Capacidade De, o gerente (gestor) com base em sua Capacidade Para conduz as atividades dos sistemas produtivos e procura aplicar as táticas necessárias para que as estratégias sejam bem sucedidas. Ele, o gerente, Líder de Atividade, precisa estar preparado com as Habilidades Essenciais necessárias para realizar ou colocar em prática as Capacidades Essenciais que são requeridas em determinada obra, produção, negociação, etc. através das estratégias definidas pela Capacidade De proporcionadas pelos líderes de ação da empresa.

Um ponto comum a ambos, diretor/executivo (líder de ação) e gerente/gestor, (líder de atividade), envolve a necessidade de aceitar como importante para o desenvolvimento dos negócios a existência de conflitos e problemas e, até, de alguns erros. Uma experiência vivida em uma companhia japonesa chamou-me a atenção certa feita. Ao final de um turno de trabalho de zero hora, quando às sete horas estávamos concluindo os relatórios das atividades de produção do turno e, no espaço do diário de produção, destinado a registrar ocorrências, problemas, defeitos em máquinas e em produtos, não havia sido registrado nada. Quando entreguei ao supervisor japonês nosso relatório ele sentou-se no escritório e começou a chorar. Quando perguntei se ele estava chorando com saudades da família ele disse: “Não”, ao que perguntei novamente: “Qual ou quais os motivos de você estar chorando?”, e a resposta foi inusitada para mim que estava sempre buscando o optimum nos processos produtivos da fábrica; ao que ele respondeu: “No Japão, quando encerramos uma jornada ou turno sem problemas ou ocorrências é um sinal de que nos turnos seguintes vão aparecer muitos problemas e isto não é bom”. Ao que ele completou: “Encerramos o turno e vocês podem ir para casa, mas eu fico na fábrica para cooperar com o próximo supervisor”. Esta constatação mostra como a cultura oriental avalia as coisas essenciais e as não-essenciais e se dedicam a otimizar, cada vez mais, as coisas essenciais, e descartar ou minimizar e até buscar superações para eliminar ou fazer com que se possa reduzir a zero, as não-essenciais.

Aqui entra mais um ponto interessante para este tema das Capacidades Essenciais, que se refere à questão que vem sendo discutida por muitas pessoas, sobre a polarização dicotômica como um fator improdutivo dentro de um sistema complexo. Discutirei isto no próximo post com o tema A POLARIZAÇÃO DE IDEIAS, ARGUMENTOS E AÇÕES COMO VANTAGEM COMPETITIVA. As ideias aqui expressas se baseiam no livro que devo lançar em breve: L.I.D.E.R. Ideias e Método que trata deste e de outros temas. Quando o livro entrar no prelo, informo o valor e como fazer a pré-compra do exemplar e espero contar com os estudantes, colegas e profissionais para leitura e discussão de nossas ideias. Deverei disponibilizar sem custo um capítulo do livro neste Blog.

Administração Sem Gestão. Pão, Paz e Liberdade.

sábado, 29 de agosto de 2015

BIOECONOMIA, BIODIVERSIDADE E BIODECRESCIMENTO

A narrativa a seguir, extraída do livro de Joseph Townsend (apud HARDIN, 1989), relata em sentido metafórico, o processo de crescimento em uma sociedade ou organização humana, o qual denomino de crescimento amebiano ou não diferenciado ou inorgânico.

O Texto é semelhante a uma lenda ou história do tipo "era uma vez", mas se trata de uma teoria, que poderíamos chamar de neo-malthusiana, formulada em 1786 e que procurava mostrar os efeitos da superpopulação sobre o desenvolvimento de sistemas vivos, antes mesmo de Adam Smith publicar o seu conhecido "A Riqueza das Nações. Vejamos, então, o texto de Townsend:


Nos Mares do Sul há uma ilha chamada Juan Fernández em homenagem ao seu descobridor. Neste lugar remoto, Juan Fernández fundou uma colônia de cabras com um macho e uma fêmea. Este par feliz encontrou em abundância pastos pelo que, sem a menor dificuldade, obedeceu ao primeiro mandamento: crescer e multiplicar-se, até que, com o tempo, sua ilha se encheu de cabras. Antes que isto sucedesse desconheciam a miséria e a necessidade e até pareciam orgulhosas de seu número, porém a partir de então começaram a padecer de fome. Contudo, por algum tempo seguiram-se multiplicando em tal grau que se tivessem o dom do raciocínio haveriam compreendido que se aproximava uma fome. Diante disso, desapareceram primeiro os mais fracos e a abundância ressurgiu. Entraram, assim, em ciclos de felicidade e miséria, com abundância quando a população diminuía e escassez se esta aumentasse; nunca conseguiram a estabilidade, porém quase sempre a quantidade de alimentos era equilibrada. O equilíbrio foi quebrado de vez em quando, seja por epidemias ou pela chegada de um navio em desgraça. Em tais ocasiões, a população se reduzia consideravelmente, porém para compensar a situação alarmante e consolar-se pela perda de seus companheiros os sobreviventes sempre recuperavam de imediato a abundância. Já não temiam a fome, já não se olhavam com desconfianças, todos viviam na abundância, todos estavam contentes e felizes. Assim, o que se poderia fazer considerando uma desgraça se convertia em uma fonte de comodidade e, ao menos para eles, o mal parcial constituía o bem universal.

Para prejudicar os corsários ingleses que invadiam a ilha em busca de provisões, os espanhóis eliminaram as cabras deixando na praia um casal de galgos [uma raça de cães]. Os cães cresceram e se multiplicaram de acordo com a quantidade de alimentos disponíveis; os resultados foram os previstos pelos espanhóis: escassearam os alimentos das cabras. Se estas desaparecessem totalmente os cães também desapareceriam. Isto não ocorreu assim porque muitas cabras se retiraram a níveis inacessíveis para os cães e desciam aos vales só o tempo necessário para alimentar-se com temor e circunspecção; fora as descuidadas e as temerárias poucas se convertiam em presas e só os cães mais alertas, fortes e ativos conseguiam comida suficiente. Estabeleceu-se, assim, uma nova classe de equilíbrio. Os mais fracos de ambas as espécies foram os primeiros em pagar sua dívida com a natureza; os mais ativos e vigorosos preservaram sua vida. É a quantidade de alimentos o que regula a quantidade de população da espécie humana. Nos bosques e no estado selvagem o número de habitantes pode ser pequeno, porém quase ninguém padece de escassez. Enquanto abundem os alimentos, os homens continuarão crescendo e multiplicando-se; cada homem poderá sustentar sua família, ou ajudar aos seus amigos, em proporção direta a sua atividade e sua força. Os fracos dependem da abundância precária dos fortes e os preguiçosos, cedo ou tarde, padecem a consequência natural de sua indolência. Se se introduzisse uma comunidade de bens e ao mesmo tempo se desse a cada homem a liberdade de casar-se, em princípio aumentaria a população, porém não a soma total de sua felicidade, e gradualmente, quando todos estivessem reduzidos à escassez e à miséria, os mais fracos começariam a perecer.

A forma linear como estamos discutindo uma maneira de mudança econômica que possa reduzir o consumismo e a produção de bens baseada em energia não renovável, bem como o obsoletismo programado de produtos que têm suas vidas úteis artificialmente ou tecnicamente reduzidas, a fim de aumentar o consumo e, com isto, a acumulação de riquezas dos investidores e proprietários de empresas, não resultará ou não será nunca efetivada dentro da conjuntura econômica mundial, pelo menos nos próximos 30 ou 40 anos porque o discurso que os cientistas e filósofos do decrescimento realizam não propõem qualquer mudança comportamental.

Para se promover qualquer mudança no sistema econômico mundial tem que se começar com a mudança de comportamento de indivíduos, uma vez que o sistema implantado pelo capitalismo alterou de forma violenta os modelos mentais das pessoas e com isto gerou hábitos nocivos, mas úteis para o crescimento de seus negócios e, deste modo, proporcionando de forma progressiva o aumento individual e familiar de riqueza em detrimento do aumento da pobreza e dos danos físicos e biológicos à natureza, ao ambiente natural.

A história de Townsend procura retratar exatamente um dos caminhos que são seguidos para o condicionamento visando de alguma forma acumular bens em prol de interesses individuais e sem levar em conta a biodiversidade. Alguns dos que discutem o decrescimento até que procuram mostrar fatos, porém não avançam em termos de uma bioeconomia que possa trazer benefícios capazes de, pouco a pouco, ir desconstruindo os modelos mentais que criaram os hábitos e paradigmas que se tornaram os vícios econômicos consumistas que contaminam todas as sociedades em todos os países.

Não apenas devemos discutir o decrescimento econômico, mas de modo efetivo o decrescimento do comportamento que promove o consumismo, o decrescimento populacional até que se consiga formar uma geração sadia, com hábitos sadios, voltada para a simplicidade da vida e para uma vida sem sofisticação e sem artificialidade, no que chamo de biodecrescimento. Com isto não estou incentivando o controle rigoroso da natalidade, mas uma breve interrupção do crescimento populacional, a fim de se poder gerar uma nova população sem os condicionamentos de uma condição Ter de vida e bem direcionada para uma condição Ser de vida. Aí, sim, poderemos voltar a ter um novo e sadio crescimento populacional sem prejuízo para o ser humano e para a natureza. No mais, se percebe nos discursos e debates que se realizam, em especial nos Foros Sociais e contraposição aos Foros Econômicos, são argumentos e falácias os quais não agregam valor à vida e ao ambiente planetário, porque estão presos a um círculo vicioso e tenta repetir o que se fez em termos políticos e econômicos cujos resultados não têm sido bons até agora.

Por isso tenho dúvidas sobre o real valor de uma filosofia de decrescimento que não vai criar nada de novo para a humanidade e que vai repetir os mesmos erros e enganos que geraram o crescimento amebiano em várias regiões do planeta. Portanto, como discurso tudo o que se fez até agora é muito bonito, cheio de palavras de ordem e apelos semelhantes àqueles que os ludditas realizaram durante a Primeira Revolução Industrial. Precisamos interromper o uso abusivo de energia não renovável que vem gerando há séculos o crescimento inorgânico com a total destruição da natureza. Isto é fato e é importante. Porém, precisamos de criar os meios efetivos para que se comece a colocar em prática o crescimento orgânico, no qual tudo o que se produz se fará com a ajuda da Natureza e não em seu detrimento. Ou seja, torna-se necessário que voltemos a aprender com a Natureza como usar os recursos naturais sem destruí-los, mas preservando-os a fim de podermos utilizá-los e reutilizá-los, sempre que for preciso.

Assim, devemos criar uma bioeconomia que vai desenhar diretrizes para uso correto de recursos naturais, aliada a um biodecrescimento em busca de uma geração mais sadia em todos os sentidos: logosférico, biosférico, hilosférico e noosférico, com o que poderemos num futuro (em um novo futuro que pode ser para além das próximas duas ou três gerações) ter no Planeta uma nova raça, um novo ser humano que irá se reproduzir na certeza de que não mais estará promovendo o aumento de uma população doente nestes quatro sentidos do Ser Integral. Desta forma, não devemos fazer o que mostrou a estória relatada por Townsend, como fizemos até agora.


Essa proposta que busca enfocar uma Economia Orgânica não representa retroceder no tempo ao nível de uma primitividade já vivida, mas avançar no tempo procurando promover uma mudança no paradigma consumista e capitalista acumulador de riquezas que não leva em consideração uma vida saudável. Viver de modo saudável para mim não implica em voltar ao passado, ao ambiente do homem primitivo, mas criar um novo ambiente do bem, no qual possamos viver melhor e mais tanto em sentido biológico quanto ecológico e natural. É possível, sim, produzir mais com menos consumo de energia não renovável, com bioenergia e eco-energia de modo a podermos recuperar os danos que foram causados no Planeta nesses mais de 400 anos de exploração desenfreada dos recursos naturais.

Pão, Paz e Liberdade

segunda-feira, 1 de junho de 2015

ENTRE O PASSADO E O PRESENTE O QUE REALMENTE MUDOU NO BRASIL

As leituras e as visualizações dos acontecimentos socioeconômicos e sociopolíticos que transcorrem atualmente no Brasil parecem-me uma repetição com um pouco mais de ácido sulfúrico derramado sobre os fatos do que já aconteceu há cerca de 30 anos. Não que eu concorde com o chavão de que a história se repete, mas alguns fatos históricos estudados e analisados ontem nem precisam ser revistos para emplacar em qualidade alguns dos fatos que ocorrem hoje em política e em economia, num sinal claro de que a máxima de que "é errando que se aprende" ainda está longe de permear a cultura dos brasileiros ou, pelo menos, a cultura dos chamados "políticos brasileiros".

Para exemplificar o dito tomo a ousadia de transcrever neste post um artigo escrito em 1988 pelo meu amigo Dr. Geraldo Caravantes publicado no Jornal do Comércio de Porto Alegre, e espero que ele não de admoeste por ter ido cavar nos baús do Conselho Regional de Administração este artigo. Exemplifico, também, para mostrar aos estudantes de Administração como é significativo para nossa profissão que hoje completa 50 anos, o Pensar antes do Fazer como tenho pregado aos ventos nas salas de aula. Vamos ao artigo:

"EU ERA FELIZ E NÃO SABIA"
Geraldo Ronchetti Caravantes (1988)

"Se há um povo com capacidade de tolerância vários pontos acima da média, não precisamos hesitar nem um segundo em responder: somos nós brasileiros. A inflação situa-se em torno de 1% ao dia, ultrapassando 4 dígitos (acima dos 1000%), quando pensamos no índice anual. Para se ter uma referência para comparação basta lembrar que no Japão ela situa-se em torno de 2% (dois por cento) ao ano e nos Estados Unidos 6% (seis por cento).

A gasolina, que, retirado o imposto compulsório de 30% deveria baixar em igual proporção, não só não baixou mas recebeu ainda um acréscimo de 15%. Os gêneros de primeira necessidade, o vestuário e tudo mais tem seus preços majorados de acordo com parâmetros incompreensíveis ao simples mortal e vão à estratosfera.

E apesar de tudo isso, ainda conservamos um sorriso nos lábios. É ou não é algo surpreendente?

Mas surpreendente mesmo é termos um Governo que não governa, dirigentes que não dirigem, homens públicos que se preocupam mais com o próprio bolso do que com o honorável público. Para dizer a verdade, há um momento em que eles se preocupam: no período pré-eleitoral quando estão à caça de votos.

Você lembra da época em que Delfim dirigia as finanças públicas do País e achávamos ruim quando a inflação anual beirava 30%? Tem muito brasileiro ficando com saudade daqueles bons tempos...

Quando vejo tantas situações sociais totalmente fora de controle e que são fundamentalmente de responsabilidade de nossos governantes, pergunto-me se o que presenciamos é realmente incompetência nata, endógena, ou trata-se do que poderíamos chamar de incompetência programada e deliberada?

 Creio que o único caminho que nos resta - se conseguirmos resistir até lá - é democraticamente banirmos da vida pública os atuais gestores incapazes de gerir. Deveríamos, de imediato, começar tal exercício votando em candidatos que não representem a situação, escolhendo pessoas com experiência e competência. Já seria um começo".

Embora os números utilizados neste artigo sejam de 1988, eles passam a representar uma metáfora bastante clara e lúcida, senão uma provocação de cenário para o que esperaríamos no futuro daquele momento que são os dias de hoje. Leia-se nas entrelinhas que naquela época como hoje, um dos temas mais ventilados nos jornais e inclusive em ouros artigos do Dr. Geraldo Caravantes escritos para o Jornal do Comércio, era a corrupção que corria solta nos ambientes governamentais tal qual vemos hoje em escândalos que são bem mais amplos que os dos tempos passados. 

O que me deixa intrigado hoje é que quase em nenhum momentos procuramos promover qualquer forma de mudança que fosse capaz de impactar a estrutura socioeconômica nacional e abrir espaço para um desenvolvimento firme. Há trinta anos a Coreia do Sul já estava ultrapassando o Brasil e até agora permanecemos no mesmo lugar como se nada fosse necessário mudar. Quem sabe daqui a 30 anos alguém, em algum lugar deste imenso país, irá dizer que realmente houve alguma significativa mudança e começamos a engatinhar para um verdadeiro desenvolvimento. Ainda estou acreditando que isto vai acontecer e não mais iremos dizer que "eramos felizes e não sabíamos".

Pão, Paz e Liberdade